No conceito moderno “ belo” é a harmonia, a proporção,a simetria, e ordem, todos convergindo para o ideal formulado por Alberti, que deu a este o nome de perfeição o que é perfeito poderia ser considerado belo. Se pegarmos os trabalhos de alguns artistas modernistas como Mondrian, Rotko etc, e os reorganizarmos estes perderão a perfeição. Segundo Bauman “o que é perfeito jamais perderá seu valor, jamais se tornará redundantes, descartável, jamais será transformado em refugo” ao contemplar a perfeição como jamais perdendo o seu valor precisamos estender nossa imaginação ao máximo utilizar todos os nossos poderes criativos- com isso tornamos a imaginação, o pensar um passatempo ( divertimento) esbanjador (dissipador) de tempo. A criatividade (do artista e do espectador?) é desnecessária e indesejável se a beleza e a perfeição existem. Alcançar a perfeição é a busca da arte, então se a alcançamos acabam-se os sonhos, há apenas o vazio, o oco, o nada.
Como temos a noção de nossa finitude e não podemos fugir dela, contamos o tempo, e tentamos registrar nossa presença na terra. Estamos vivendo à frente do presente momento, queremos sempre antecipar o presente, como pensamos à frente do tempo que vivemos procuramos formular ideais. Formalizá-los, são as formas de pensamentos ou planos para nos conduzir a “um território” ainda inexplorado e “não-mapeado”. A beleza é um desses territórios ainda não-mapeado, o valor dela está no poder de conduzir esta busca. Não a atingimos ainda se assim tivéssemos feitos ela (a beleza) perderia seu valor, chegaríamos ao vazio, oco, o nada.
Como os artistas poderiam transgredir? Criar? Recriar? Destruir criativamente? Se a achássemos, as escolas, as galerias, os museus de artes, os escritórios de arquitetura desapareceriam, perderiam o sentido de existir.
Não há objetos belos? Sim há, perfeição absoluta ainda é perseguida e nas palavras de Bauman: “ um eterno ainda não” algo que está a passos, vários em nossa frente, podemos até alcançá-la mas não podemos controlá-la, nossa própria imperfeição não permite que haja algo perfeito, desejamos mas intuímos que perfeição é sinônimo de imobilidade, morte, “cemitério”, como não queremos morrer procuramos incansavelmente nos manter móveis, viver ocupados, criando, destruindo e construindo instrumentos em busca da perfeição.
Não podemos nem devemos querer ver nossos sonhos realizados, no máximo devemos persegui-los, enquanto o sonho permanecer irrealizado “contamos os dias e os dias contam: existe um propósito e também uma tarefa inconclusa a realizar...” Bauman.
Segundo Bauman a “cultura liquido moderna” não acumula hábitos, não esta presa ao passado é uma cultura de “desengajamento, de descontinuidade e de esquecimento”. Se é assim, não vale a pena manter registros das coisas vividas, logo serão o passado, as idéias,( os planos para o futuro) não tem lugar; não planeje nada a longo prazo, você pode ser descartado junto com seus ideais e seus sonhos. Trazendo esta assertiva para o conceito de “beleza” podemos dizer que a mesma, está com os dias contados; os produtos culturais devem ser “produzidos” para ter o máximo efeito no presente e logo serão descartados, obsoletos. O produto de hoje deve dar o lugar no placo, nas galerias de arte, para produção de amanhã, só terá valor no dia da vernissage ( o Banquete de mendigos- Galeria Canizares) os artistas da “cultura liquido - moderna” montam, instalações, happenings, embrulham monumentos, ilham ilhas com plásticos, estendem cortinas em vales, depois esses “objetos” perdem seu valor, se tornam redundantes, e são descartados, ficam apenas os registros, os livros de artistas, os projetos, as fotos, os filmes ( Barrio, Cildo, Oiticica, Lygia Clarke, Christo. Etc).
Segundo Bauman “para ser admitido na cultura do cassino da era liquído-moderna é preciso ser despretensioso(...) pronto para aproveitar tudo que esteja atualmente em oferta e a ser pouco coerente e estável em suas predileções” e continua, “a rejeição do novo é de mau gosto, e quem rejeita os riscos se arisca a ser rejeitado (...)incorreta e perigosa é a lealdade ao antigo” segundo essa lógica também.
O conceito de beleza na sociedade liquido-moderna sofreu modificações que os filósofos que passaram séculos em laborioso empenho de formalizá-la sentiriam dificuldades hoje de reconhecer, sentiriam a falta “do vinculo entre a beleza e a eternidade, valor estético e durabilidade” no passado o teste do tempo e a história definia o que era belo, hoje com a “cultura do cassino” todos os anteriores atributos da artes foram jogados fora, quando se fala de “beleza” o mercado de consumo e o padrão do homem liquido –moderno são adaptados à cultura do cassino que é adaptado às pressões e seduções do mercado.
Os dois se dão bem se abastecem e se reforçam para evitar as frustrações e as perdas de tempo para os clientes. O mercado oferece produtos destinados ao consumo imediato, um único uso preferencialmente, logo é substituído para evitar os congestionamentos, quando objetos de hoje cederem lugar aos objetos de amanhã (saírem da moda) os clientes desses produtos à jato já não precisam aprender, gravar, precisam só, aceitar as garantias de que o produto é a “coisa mais quente” do momento e é com quem ou que devem ser vistos ( usando).
A beleza hoje esta na moda (do momento) o objeto de luxo deixa de ser belo a partir do momento em que é substituído. O mercado tem a enorme capacidade, o poder de determinar, impor, regular, o padrão do que é belo e isto em curta duração. “ o gosto não é mais um guia seguro, aprender com o conhecimento já adquirido, basear-se nele é uma armadilha” Bauman.
No mundo liquido moderno existe a obrigação de ser belo e quando não, é condenado ao lixo ao descarte. A estética da sociedade liquida- moderna triunfou ao descartar o feio dando-lhe um fim trágico. “ ela triunfou (...) sobre seu próprio objeto (...) venceu tornando os trabalhos artísticos (preciosos raros) investidos de uma aura e qualidades mágica, ( Damian Hirst : “caveira recoberta por diamantes-milhares-de-diamantes!” inserção do autor do texto), singulares , refinadas e sublimes”, por isso mesmo “redundantes.”
A estética hoje é cultivada, distribuída, definida e consumida num mundo esvaziado de trabalhos artísticos “legítimos” a arte evaporou-se. O belo é apresentado de forma artificial (Hirst) é a roupa de grife, o atleta “bombado” a beldade ( com up grade), maquiada são belezas efêmeras que logo são descartadas num deposito de lixo.
Quanto à utilidade dos museus na sociedade liquido - moderna segundo Bauman tem a mesma função de um cemitério; alguns corpos humanos são enterrados em lapides luxuosas, outros são deixados nos campos de guerra, insepultos, cremados, jogados em rios, incendiados em aldeias. As obras de artes têm o mesmo destino, algumas obras de valor reconhecido são higienizadas, esterilizadas e embalsamadas a fim de preservá-las e serão visitadas por turistas e admiradores atentos e circunspectos.
Tantos os cemitérios quantos os museus são afastados do convívio e do burburinho das cidades. Nos museus e nos cemitérios não se pode falar em voz alta, não se come, bebe, corre ou toca nos objetos de valor e mantém as crianças atreladas.
O cenário da vida diária da sociedade liquido - moderna é diferente dos museu/cemitério; é o local de happenings, performances, instalações montadas a partir de materiais híbridos e efêmeros sem a pretensão da permanência, apenas ser consumido enquanto experiência, quando seu tempo terminar será descartado, substituído sem traumas, sua irrelevância era calculada e até desejada. O interesse agora é outro é aleatório. Os objetos e o lixo trocam de lugar com muita facilidade.
O que pode ser definido hoje como “beleza” e a relevância dos objetos, são os números e as estatísticas, quando os objetos são bem escolhidos (consumidos) vendidos em massa então “deve ser belo” afinal ninguém consegue enganar a tantos. O resultado são discos de platina, picos de audiência e o consumo maciço (compra).
Mesmo os grandes mestres da arte são vitimas da sociedade liquido - moderna segundo Knutson há “um novo gosto(...) a nova geração está interessada não no mobiliário do século XIX e em pintores antigos que não combinam com seus apartamentos ultramodernos” as obras dos grandes mestres da arte são avaliadas pelo valor do evento, hoje Hirst vende mais caro do que um mestre como Matisse.
Os valores são o que são se eles se ajustarem ao consumo, o modismo instantâneo, imediato, estes são atributos da experiência momentânea na sociedade liquido - moderna assim é a beleza, a vida dessa sociedade consiste em sucessivas experiências e experimentações momentâneas.
Hoje a beleza não tem uma utilidade obvia, não existe uma clara necessidade dela, a civilização não pode passar sem ela. Hegel introduziu a historia no conceito de beleza e ele tem razão porque na sociedade liquido - moderna a beleza tem seu próprio modo de se estabelecer com seus parâmetros próprios. Não sabemos onde essa aventura liquido-moderna vai nos levar se ao lixo ou ao museu/cemitério.
Fontes de referência
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas.Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005
Aranha, Maria Lúcia de Arruda.Temas de filosofia / Maria Lúcia de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins — São Paulo : Moderna, 1992
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